DOMINGO: “NADA COMO O TEMPO PARA PERDER”, OU,
LENGALENGALEGULEIO SUPREMO PARA SOLTAR BANDIDOS
Como não é
do seu tempo, provavelmente você não se lembra mais de nunca ter se dado conta
de que pelo Código Criminal brasileiro de 1980, prendia-se a bandidagem antes
mesmo de uma condenação em primeira instância.
Pela mesma razão temporal, você não tá lembrado que em 1941, o
Código Criminal levou pontapé nos fundilhos do novel Código de Processo Penal (CPP) que passou a regular coisas tipo assim inquérito policial,
prova e interrogatório... E estabelecia até, matreiramente, que o juiz poderia
aplicar, provisoriamente, medidas de segurança ainda no curso do inquérito.
O audacioso Código de Processo Penal teve um ranço histórico
autoritário, com o então bem-vindo Estado Novo: ao
invés de partir da presunção de inocência do acusado, dava de bico e se colocava com a chamada
antecipação de culpabilidade. E assim, já começavam os salamaleques
e as burlas, cambalachos, embromações e artimanhas.
Uma simples denúncia já poderia levar alguém à cadeia. A coisa
era feia: naquelas priscas eras, já que você é sempre jovem, para recorrer da
decisão de prisão, o condenado teria que estar preso. Senão que fosse se
queixar pro bispo. O da paróquia, não o Adélio. Esse CPP código entrou em vigor
– e com que vigor! - em janeiro de 1942.
ASSIM CORRIA A BARCA
E assim corria a barca. Até que em 1973. E foi então senão
quando que o delegado Sérgio Fleury teve
a prisão preventiva decretada, após liderar o chamado "Esquadrão da Morte", em São Paulo
Ah
sim, o Xará atuava também como delegado do DOPS durante a Redentora.
E foi por não menos que isso que se, alterou então
a lei processual penal, em regime de urgência A estrovenga pariu a lei 5.941/73,
tida e havida como Lei Fleury.
Foi ela que abriu a possibilidade do réu primário, e de bons
antecedentes, aguardar o julgamento em liberdade. Presta atenção aí: réu
primário e de bons antecedentes!
Como uma das bases do princípio da presunção da inocência, a
prisão preventiva somente deveria ser determinada em caso de necessidade. Mas
nada mudava quanto à prisão em primeira ou segunda instância.
Mas aí, não deu outra. A bandalheira fez casinha em seu lugar.
Tanto é que, quatro anos depois, em 1977, a Lei Fleury pagou o vexame de ser
revogada: ela permitia desavergonhadamente a impunidade de pessoas influentes.
A BÍBLIA DA LEGULAGEM
Conta a Bíblia da carceragem que a tal Lei Fleury foi
substituída pela lei 6.416/77, que alterou o sistema de prisão provisória,
ainda mais com o art. 310 do CPP, com sua antiga redação, que tratava da
fiança, que passou a ser aplicada apenas em casos excepcionais.
A prisão em primeira ou segunda instância não se alterara.
Ninguém se animou a colocar um nome nem sequer teve a pachorra de se queixar
pro bispo e batizar a dita cuja.
Eis que, no entanto, para o pior de tudo, o melhor estava por
vir para as tais ‘’pessoas influentes’’, as tais e quais conhecidas ‘’forças-vivas
da comunidade’’, ou mais propriamente os bandidos de gravata vermelha e
colarinho branco.
E veio: o simpático e aparentemente sério ‘’princípio da
presunção da inocência’’ deu as caras e foi legitimado pelos coroas espertos
que assinaram a Constituição Federal de 1988.
É quando então começa todo o reboliço. O mexe-mexe, o remelexo ao
longo dos anos, as tais alterações legislativas, não conseguiam dar
uniformidade à perfeita compreensão do tema. Nem sequer deram o mínimo
entendimento à questão.
Com pose e feitio de grande coisa, o Código de Processo Penal
discorria, deitava e rolava sobre a ‘’antecipação de culpabilidade’’; já em
contraposição surgia lépida e faceira uma Constituição recém formulada – por
quem, vocês estão carecas de saber – pintando e bordando o falso dogma da ‘’não
culpabilidade’’ até o trânsito em julgado da sentença.
EIS A QUESTÃO E... A REFORMA
Coisa shakespeariana - ficou a questão: uma pessoa pode ser
presa antes que todos os recursos sejam exauridos sem que isso afete a
presunção da inocência?!?
Tradução do juridiquês: a exigência da prisão provisória, para
apelar, não ofendia a garantia constitucional da presunção de inocência, Pô,
esse era o lacre para continuar sendo permitida a prisão em segunda instância.
Em 2008, veio a Reforma do Código de Processo Penal Brasileiro.
E com ela – há dez anos as reformas saíam de fato nesse país - os tais procedimentos criminais foram significativamente
modificados em diversos pontos.
Pontos a ponderar, pois então: foram reduzidas de cinco para
três as hipóteses de prisão antes do julgamento: se hoje contamos com a prisão
em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva (e seus muitos
excessos), antes dessa alteração legal ainda se acresciam a essas a prisão
decorrente de pronúncia no procedimento do júri, e a prisão em razão de sentença
condenatória de 1ª Instância.
É bom que você não se esqueça de que o recolhimento à prisão era
obrigatório para quem quisesse exercer o direito de apelar da sentença. Mas nem
era preciso falar dessa verruga leguleia, se o artigo 594, que trazia essa
previsão estupidamente estupradora do direito à ampla defesa também não tivesse
sido finalmente modificado em 2008.
Hoje você tá sabendo, mas pode ser até que já tenha esquecido, há
um Projeto de novo Código de Processo Penal tramitando na Câmara dos muitos
mais de 300 picaretas. O diabo é que não há qualquer perspectiva de ser
efetivamente aprovado pelo Congresso Nacional nem para manhã nem para depois. Ainda
que esse ‘depois’ não seja logo ali.
JUSTIÇA NA GANGORRA
E chega-se assim ao 2009, glorioso 7º ano do escarrapachante e quase
interminável governo Lula. É quando o Supremo Tribunal Foderal, já eivado de
lulopetelhares, decidiu mudar o entendimento da prisão em segunda instância.
Era tempo em que o Escândalo do mensalão habitava as gangorras
do STF, parque de diversões e escritório avançado da pior safra de presidente
da história dessa República. Foi quando os 11 Coringas disfarçados de Batman
julgaram o Habeas Porcus 84.078 — que tratava do caso de um condenado por
tentativa de homicídio após dar 5 tiros na vítima desarmada.
Veredicto supremo: o meliante ficou impune com a
prescrição do crime após infindáveis recursos judiciais. Mas em compensação
estava inaugurado e estabelecido solenemente o direito do condenado em segunda instância
recorrer em liberdade.
LENGALENGULEIO
DA MALOCA SUPREMA
Em
17 de fevereiro de 2016, com o julgamento de outro Habeas Porcus, a
jurisprudência sobre o lengaleguleio mudou novamente, quando se discutiu a
legitimidade de um ato do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao negar
recurso da defesa, determinou o início da execução da pena.
Por
maioria, sete votos a quatro, o plenário mudou jurisprudência da Maloca Suprema,
afirmando que é, sim senhor, possível a execução da pena depois de decisão
condenatória confirmada em segunda instância. Ficou
entendida assim a reafirmação do entendimento a favor da execução antecipada, a
bem-vinda e benfazeja prisão em segunda instância.
No dia seguinte, o STF julgou e rejeitou, por seis votos a cinco,
o Habeas Porcus de Lula, O Presidiário-Ostentação, solicitado pelo Comodoro do
seu Clube de Leguleios Graciosos tentando evitar que ele fosse preso por
condenação decorrente da Operação Lava-Jato, mantendo o entendimento de
prisão em segunda instância.
Se você não tá lembrado, dá licença de lembrar: foi no mesmo
abril de 2018, que o PEN, hoje Patriota,
mandou passear o advogado de bermudas Antônio Carlos de Almeida Castro,
o holofotesco Kakay denunciando à Maloca Querida que
o pedido de liminar para mudar o entendimento da prisão em segunda instância
"foi apresentado sem anuência da direção do partido.
Os caciques do Patriota disseram então, ainda sob a garatuja de
PEN que era a favor da prisão em segunda instância. E mais: que a ação original
era apenas para esclarecer a aplicação da lei; e que ‘’nunca foi intenção do
partido defender a prisão apenas e tão somente após todos recursos".
Diante dessa galinácea postura do PEN, o Instituto de Garantias
Penais (IGP), que é amigo da Corte no processo,
e do qual Kakay faz parte, botou em 9 de abril um ovo idêntico ao do partido.
E é por isso que hoje o Brasil de mais de 210 milhões de
habitantes é refém dos humores aquosos e gananciosos dos 11 Coringas que bancam
o Superman travestidos de Batman nessa caverna que é uma verdadeira Pasárgada
para os criminosos amigos do rei.
Bolas, jurisprudência não retroage. Essa cretinice nem era para
entrar em pauta. Serve apenas para mostrar que estamos todos de joelhos diante
desses grandiosíssimos filhos da pauta.